Germinar acontece de dentro para fora.
A semente contém em si tudo para crescer.
É a lembrança, e por isso o futuro.
Retorna-nos ao presente, o que dá para fazer agora.
Sementeira significa esperança.
Esperança exatamente por agir - semear
e pelo potencial - a semente tornar-se planta.
Não sabemos se é certo, mas sabemos que é possível.
É fazer o certo,
Colocar na Terra aquilo que queremos ver nela.
É o início do fim que ansiamos.
E é ao fim do ínicio a que retornamos.
A início e fim nos entregamos.
Tudo isto representamos.
Nós somos a sementeira.
Semeia (-te).
Mas o meu nome importa?
O que é meu, sequer?
Se quero ser sincera, como se pudesse “ser” alguma coisa…
Vivemos num sou, sou, sou. És, és, és.
E o que é que isso nos traz?
Ou melhor, onde é que isso nos leva?
Uma ave não se chama a si de ave e ainda assim voa.
Com um bater de asas que não lembra ou conta.
Segue o seu caminho sem seguir o seu caminho.
Era uma vez e aqui me lês.
Já é mau que chegue contarmos o tempo,
e este ser medidor de qualquer coisa.
Quanto mais nos contarmos, nos medirmos e nos tornarmos coisa.
Uma árvore não pára e questiona a sua altura,
por isso não pára de crescer.
Não considero próprio este “Eu” próprio.
O que dizemos nos ser exclusivo, singular.
Pois hoje experienciei e nem por isso me diferenciei.
Não fui só eu a viver,
somos tantos e tanto somos.
Tanta coisa respiramos.
E nenhum ar passa por mim e fica.
E não inspiro e digo “meu”.
Antes, ele é circulante.
Fazer sentido?
O sentido do ar é:
fora, dentro, fora, dentro.
É certamente fora, estranho ao entendimento.
Por isso conhecido, entendido de dentro.
Entendimento, fora, dentro,
Tudo palavras que nada mais são.
Arbitrariamente definimos.
Árbitros marcando faltas,
lacunas a nosso ver,
vazios a que passamos cartão vermelho,
e substituímos.
Relatando e ditando o que acontece em campo.
Desenhando riscas na terra.
Tudo em lugar.
Vale a pena perdê-lo. Quem vai ao mar...
Ondas que arrastam, perder-se de si.
A água informa: sem forma.
Consigo o “consigo, comigo”. Mas não é verdade.
A verdade, contudo, é esta: com tudo.
O meu nome importa sequer?
Encontrei um desenho meu de criança, de flores, relva, nuvens, sol.
No verso, escrito: SUSNANA.
Verdadeiro verso.
Talvez já desde aí andasse a perguntar.
Ou talvez, e se bem que o mesmo, estivesse distraída, focada nesta minha natureza.
Cascata
Em crianças,
pela primeira vez, vítimas do mal.
E depois, o discurso de preparação,
"Para este mundo".
A criança tem de saber para se proteger:
Tem que estar à espera...
Olhar por cima do ombro.
Passar por cima:
"Mas o que é que estás a espera?".
Se já estiver a contar, não me vou desapontar.
E perco a conta...
Se contar a história de forma diferente, protejo-me.
Levantas as mãos à memória, a pedir misericórdia.
Mas ainda assim te levantam a mão. Esta história protege quem?
______
“Dá-me um desconto”,
mas afinal quem o recebe somos nós,
pois “se aceitares custa menos”.
______
Culto do "enrijecer para não doer".
Primeiro mandamento: matarás o sentimento.
Para escapar do Inferno, rezo:
Nada de pranto.
Lembrar: ninguém é santo.
Escapo porque não vejo e me revejo:
Somos todos pecadores.
Escapo do inferno, porque vou ao seu encontro.
'Em todos, o bem e o mal.''
A partilha da culpa da "Natureza Humana".
Na comunhão, há leveza no que afunda.
A lixívia que intoxica, mas que me lava a roupa.
O paraíso de uns é à custa do inferno de outros.
É assim que o sorriso passa a ser meu.
______
A luta contra o que a criança sente. É gritar para a calar, para parar de chorar. Tudo isto é medo de sentir medo.
______
Fui lá, à traição em nome de proteção.
Chorei contigo.
Tu é que me ensinaste, me trouxeste ao encontro do esquecido, do que como tanto da infância perdido: Que os meus olhos são nascentes! Autênticas cascatas!
A seca só leva à erosão...
A água que corre é pura!
Choro de tristeza.
E também consigo chorar de felicidade.
É a criança que nos prepara Para este mundo azul.
Com o rebentar das águas, Renasço.
A gaivota
Em criança, eu deixava-a voar.
Tinha aquilo a que a minha família chamava
de gaivota
nas minhas sobrancelhas.
Eram unidas.
Cresciam para se encontrar.
Uma e uma linha,
a formar esse desenho,
desenho de criança:
a casa, telhado triângulo,
o sol em nuvens,
o mar, a flor.
No céu, a gaivota.
É tão fácil fazer a gaivota no papel.
É tão difícil tê-la, na prática.
É tão fácil desenhar, parece um M.
Mas depois chega a escola, o árduo trabalho
de aprender a escrever Mulher.
E a resistência às regras resume-se
a colar chicletes debaixo da mesa.
E uma a uma, aprendo a tirar as minhas linhas.
A descozer-me.
A arrastar para fora.
Como os restos de borracha da mesa,
porque apaguei. Apaguei.
Arrancar,
Pena a pena,
e não ter pena.
Até as nuvens se tornarem teto.
E o vento se tornar gelado.
Tirar as minhas curvas
e ouvir "a curva mais bonita da mulher..."
Encurvada.
Ouvir, calar, repetir.
Mãe, quando for grande vou ser...
Quando for grande vou ser...
Quando for grande não me vou ser.
Pequena, se tu me visses...
Iria reagir como se me perguntasses o que é a morte.
Não me perguntes o que é a morte,
porque a vês em mim.
Pior, não me perguntes o que é a vida.
"Um dia vais perceber".
Digo-te, traíndo -te -me. Querer poupar-te, mas não o querer, não o fazer.
Porquê?!
Porquê?!
Porquê?! Nunca saí da idade dos porquês.
___________________
Vejo,
no céu,
Mulheres unidas.
Crescem para se encontrar.
Uma a uma em linha,
a formar esse desenho.
Como na canção:
"Uma gaivota, voava voava.
Asas de vento.
Coração de mar.
Como ela, somos livres, somos livres
De voar"
A verdadeira escola,
De desaprender e aprender
A escrever mulher.
Frio
Serviste-te, mas isso não te serve.
Aceitar o desconforto,
não é negar o conforto.
Aliás,
conseguir sair da cama,
é o que me ajuda a deitar descansada.
Sair da fantasia para o concreto,
só assim concretizada.
Não fechar os olhos
permite-me ver.
No banho de água fria, custa entrar.
No banho de água quente, custa sair.
O desconforto cria conforto.
O conforto cria desconforto.
A ordem importa.
Castigo ou recompensa?
Compulsória ou sóbria?
Uma denúncia, renúncia.
O frio é uma interrupção, um parar.
É aceitá-lo que nos faz andar.
Sentir de frente, seguir em frente.
Tê-lo é não temê-lo.
Plantar
Quando comecei a plantar,
pensava: “as plantas demoram tanto tempo a crescer”.
Agora fico feliz por demorarem.
Que tenham uma vida longa e feliz,
antes de fazerem a minha vida longa e feliz.
Fazem-no já antes de fazerem parte de mim, só de olhar para elas.
Olho por elas.
Ver, fazer
aquilo que quero ver feito.
Demorar é fazer durar.
Prioridade: cada segundo
em primeiro.
Nada fica. Tudo vai.
Tudo bem, tudo vem.
Trocar não é tirar.
Também eu estou a crescer, amadurecer.
Para servir, nutrir.
Dou o meu tempo às plantas
e elas dão-me o meu tempo.
Solo
No solo,
Vida e morte oferecem-se uma à outra.
A entrega que permite o retorno.
Menos uma: mais uma.
A vida depende da vida.
A vida depende da morte.
A criadora cuja inspiração parte do último suspiro.
As lágrimas da despedida escorrem no primeiro choro da bebé.
Ida e vinda.
O fim é o início.
Tudo
Há esta ideia de que quem vive com a Natureza
se está a isolar do mundo.
Mas quem vive na cidade
é que se está a isolar do Mundo.
Viver com a Natureza
não é viver no meio do nada.
É viver no meio de tudo.
Amor
Plantei esta árvore
que talvez não vá ver florescer.
Mas os seus frutos e flores alimentarão as pessoas depois de mim,
os pássaros,
insetos.
Plantei-a.
Plantei-a, porque a vi florescer.
Manifesto
Não quero que a minha vida seja um desabafo.
Quero que seja um manifesto.
Quero que seja
O que Eu quero que seja.
Ondas
Era uma quarta-feira.
Era uma quarta-feira,
porque decidiu já não o ser.
Basta!
É dia e dia a seguir.
Não o ponham na berma do prato,
quando vão ter que comer à mesma.
Ordenar as cartas não torna menos baralhado.
Repartir para esquecer partir.
Para passar o tempo e não senti-lo passar.
Confundir trunfo com triunfo,
quando são todas descartadas.
Somam-se os pontos e
o que nos restará da mão?
Tiramos as rodinhas da bicicleta e lançamo-nos,
menos as rodinhas dos ponteiros que nos pontapeiam,
não há como fintá-los.
Como os pneus, rodam e rodam,
e desenchem de ar.
Tento passar despercebida da morte,
enchem-me de tinta
e estão-se nas tintas.
Horas às voltas,
é hora delas irem dar uma volta!
Uma desfeita feita para Viseu, a cidade das rotundas.
___________
Um conta-gotas,
que as deixa cair.
Como na ditadura política,
a tortura das gotas.
Mas faz sentido contá-las?!
Se nem conseguimos poupá-las?!
Não passam
de água que passa…
Em si, matam-me a sede.
Seu acumular, mata-me.
Somam-se e some a água do copo.
Acaba a minha vez de ser só, de só ser.
Uma volta, até voltar.
Ondas que vão,
em vão.
Nunca conseguirão escapar do corpo maior que lhes impele o seu regresso.
Mas dar-lhes-á a sua chance,
dar-lhes-á a força toda!
Embatendo contra as rochas!
Tentar subir a areia!
Tentar ficar na areia!
Mas o que molham, seca.
São levadas...
Mas lavadas e elevadas!
Louvadas!
Novamente tecidas e enaltecidas.
As faces são faces do mesmo sólido.
Atira-se a moeda ao ar, cada um pede Cara,
e é o que fica para cima após cada queda.
Evaporo.
Mas choverá de mim.
Ao regressar,
regressarei.
Devolvo-me.
Perdidos e achados.
Restituir para reconstituir.
Levanto-me, para te deixar sentar no meu lugar.
Já te levava entre o ventre.
Sensibilidade
Queria expressar a insensibilidade para com a nossa raíz, com o mundo.
Pensou no quão as árvores para as pessoas são só panos de fundo nas viagens de carro.
Panos de fundo
do "nosso mundo".
Ficam para trás.
E não tinha mais metáforas para já.
"É por isso que as pessoas escrevem livros" - pensou "e não poemas."
Os poemas são mais de rajada.
No poema tu vais vais vais e vais à tua vida.
O livro é o que tu abandonas, deixas para trás.
Vais à tua vida.
Esquece-o.
Mas fica algures.
Vai crescendo em ti,
nos teus olhos.
De repente, vê-lo.
Sabes o que vem a seguir.
Viste-o no que se sucedeu.
A metáfora a que se volta mais tarde com uma nova, como um presente, a nossa oferenda.
O tempo passou e decidiu ficar aqui, nesta frase.
Vais buscar tudo para o poema, vens com tudo.
Para o livro, tens que ir à procura, vais sem nada.
Mas voltas.
O poema é a vida condensada,
o livro é-lhe mais fiel no ritmo, vai por extenso.
É a bengala que a acompanha e que marca o bater dos pés no chão.
O livro é a cera que vai derretendo do poema-chama.
O poema está aberto, o livro vai-se abrindo, tem que se folhear.
O poema está tão aberto, que é por isso que o fechamos, ocultamos.
Com uma venda tateamos. Ela cai e cai-se o mundo em nós.
Livros e poemas fazemo-los sempre, são as impressões e reflexões.
A lembrança, a emoção, o silêncio... Revelação:
A relação. Conexão. Interligação. União.
É as coisas que as coisas dizem.
E as coisas dizem tanta mas tanta coisa.
Tentamos ser tradutoras e escutamos,
mas esquecemos que ouvimos com a nossa própria voz.
Mas afinal, é isso que somos, um ser singular em uníssono.
Entendemos as relações porque vivemos nelas, somos elas.
Chegou ao final e pensou
que queria expressar a nossa sensibilidade.
Não tinha metáforas para já.
Mas sabia que elas estavam para vir.
Talvez quando se fosse sentar na sua cadeira no quintal,
elas lhe perguntassem se também tinha um lugar para elas.
Pevides
Às vezes a vida atira-me,
como atira a mariana as pevides das uvas.
E lança-me para todos os lados,
onde não vou fazer crescer nada.
Explorar é saborear e largar.
Aceitar se o vento me levar.
Apreciar o lugar
onde não há lugar para sentar.
O que vou ver uma só vez,
e lembrar que isso é a vida.
Compostagem
Os pensamentos maus
não devem ir para o aterro.
Longe da vista.
Enterrados num buraco.
Fechados em plástico dito impermeável
como se isso os separasse de nós.
Dessa forma,
geramos lixo.
Poluem.
Mais cedo ou mais tarde
irão contaminar.
Os pensamentos maus,
assim como os bons,
vão para a compostagem.
Reconhecido o seu ciclo de vida
contribuem para o ciclo da vida.
Quem os observa,
os percebe recurso para fazer algo crescer.
Não tenta parar o seu curso,
deixa-os ir, dar o seu curso,
matéria de aprendizagem.
Tudo começa e termina.
Decompõe-se e germina.
Deito-os na pilha com a maior gentileza
como um bebé no berço.
Cubro-os.
Sabendo que quando os voltar a ver
já não serão os mesmos.
Já não serei a mesma.
Assim é composta a Vida.
Tiro do aterro,
Crio terra,
composto.
Mari
Mari.
O nome que vou dizer mais vezes.
Esta frase embala-me.
É o sentimento que descreves
de sair de água fria e nos abraçarem com a toalha.
Tu és a água que quero aprender a nadar.
Sabendo que isso é enfrentar.
Deixar-me levar. Confiar.
Sabendo que todo o processo é tentar e tentar!
E é gracioso: deslizar, flutuar.
Testemunho a tua virtuosidade.
Como o teu esforço tanto parece não o ser.
Para estar, amar.
Aprendo só ao olhar para ti.
Aprendo a olhar.
A me inteirar, voltar ao inteiro, verdadeiro.
Volto-me para ti e tenho que dar tantas voltas
porque estás em tudo.
Os teus olhinhos
de perto tão grandes.
Tu vês.
Estás em sítios a que quero chegar.
E onde te quero encontrar.
Mari,
não quero nunca lembrar-me de ti.
Quero nunca sair.
Nunca te ver da janela.
Lembrar seria esquecer.
Nunca deixas de estar.
Rodeias o meu redor.
Seria impossível
ficar-me por molhar os pés.
Tu és o meu lugar a ficar.
Contigo acordei.
E quero acordar todos os dias.
És a vida no seu melhor.
És a vida no seu melhor.
Mari eu não te escrevo poema.
Eu te descrevo, poema.
_____________
Não os visto,
mas também vejo através dos teus óculos azuis,
deste lado.
Lentes sem qualquer risco.
Ela me é na corrida como em tudo,
me diz com carinho que eu posso um pouco mais.
Ambas mostrámos, fizemos lembrar.
Deu-me o caderno em que agora escrevo.
Maior razão de gratidão.
Sei o que nos espera no final.
Sei a que démos início.
Sei que tenho toda uma vida, e ela é só uma,
e, ainda assim, são duas - a de nós as duas.
Antes de um último sono,
todas as noites,
nesse e para esse momento,
darei festinhas à minha cabecinha.
Ires em paz, amada.
Antes de sermos levadas,
levo-te a todos os sítios onde queres ir.
Sendo muitos, ela vai ter que esperar.
Comigo não tens que te preocupar.
Como também mo disseste,
não há outro sítio que preferia estar
do que aqui, contigo.
Tens razão, sorrio mais agora.
Não só partilho casa,
Eu vivo com a Mariana,
A minha vida é contigo.
A minha vida verdadeiramente o é, contigo.
Célula
Como é que a revelação surge?
Antes de se mostrar, já parecemos salivar.
As mais tenrinhas não nos salvam os dedos das facas.
Precisamos das que preparamos.
Vigiamos ao lume.
Não queimar, não entornar, não desperdiçar.
As que tocam no fogo,
no que nos maravilha,
aquece,
mas desde cedo aprendemos a nos afastar,
tentar controlar.
Convido-a.
Todos os dias ponho a mesa
a contar com ela.
Preparo-me para ouvir
o que ela tem para contar.
Ela é quem me prepara.
Apronto o prato.
Travessa que me atravessa.
Alimentar é a troca mais íntima,
entrar e deixar entrar.
Interiorizar.
Natureza une interiores,
enquanto os separa, protege, em membranas, peles, escamas.
Ganhamos pelos, com todo este frio.
Evoluiu a regulação da temperatura,
não podemos depender do exterior.
De pôr os pés frios em…
pés quentes.
Mas é isso que nos traz a verdadeira revelação:
tocar é transformar, é assemelhar.
Eu com pés mais quentes…
Tu, com pés mais frios…
A mesma temperatura!
Também nos traz outra revelação:
o que temos agora,
é agora que o temos,
que nos temos.
No fundo, não seria assemelhar,
mas perceber a semelhança.
A transformação seria a da nossa percepção.
Quero descobrir-te de tudo e descobrir-te.
Revelação dá origem a si mesma.
Um poema que nunca saberás o último verso.
Posto isto, se há algo a retirar:
Seu oposto - dar.
Dar, como quem divide o pão ou o sorriso.
Dividir é multiplicar.
Já o ensina a célula.
O que dela surge…
Transição
A minha porta não tem trinco.
Sabe para que serve uma porta.
Para entrar e para sair, para fechar e para abrir.
E se separa um sítio do outro,
é o que os une também.
Daninha
Quando os corpos passam a ser a cidade gentrificada,
que serve os turistas,
e não as habitantes.
Fecho os olhos,
para poder ser para os vossos.
Esqueço, para poder ser lembrada.
O que custa,
mas o que vale,
poder Ser.
Descoberta de cimento
verdejo, me vejo,
e recebo a água do céu.
Completa
Ninguém necessita de ninguém.
Todos necessitamos de todos.
Sou completa.
E completo.
Kombucha
Há duas fermentações. A primeira é essencial, a segunda é para dar sabor e gás.
PRIMEIRA FERMENTAÇÃO:
- Colocar num recipiente 25 gramas de chá preto e juntar 1 litro de água fervida (tem que ser fervida para remover o cloro)
- Deixar arrefecer um pouco e coar o chá
- Juntar 1 caneca de açúcar e misturar
- Transferir para um frasco grande de pelo menos 3 litros limpo
- Adicionar mais 2 litros de água fervida
- Deixar a arrefecer por completo de modo a que não esteja quente (o calor mata o SCOBY)
- Lavar as mãos bem e colocar o SCOBY dentro do frasco
- Caso seja a primeira vez, colocar o líquido do frasco que eu lhe dei. Caso já seja nas próximas vezes, pode colocar um pouco da kombucha anterior.
- Tapar o frasco com um pano e deixar a temperatura ambiente.
O SCOBY vai-se alimentar e gerar um novo SCOBY. Após uma média de 7 dias (pode ser mais, como preferir), a primeira fermentação estará pronta. Quanto mais tempo, mais fermentada e, por isso, “avinagrada” fica.
SEGUNDA FERMENTAÇÃO:
- Colocar os SCOBYs num outro frasco (este será o “hotel dos SCOBYs”, onde eles ficam adormecidos) e deitar o líquido da kombucha até ficarem submersos
- Guardar um copo da kombucha para a próxima vez que for fazer kombucha colocar (como está descrito no penúltimo passo da primeira fermentação)
- Deitar a kombucha em garrafas de vidro (que tampem bem para que o gás se acumule) e adicionar a fruta/aromáticos que desejar (pode fazer maçã e canela, por exemplo)
- Fechar bem as garrafas
- Deixar a temperatura ambiente a fermentar. Quanto mais calor, menos dias demora a acumular gás. Abrir após alguns dias (3 ou 4, por exemplo) para verificar se tem gás suficiente. Caso já tenha, pode desfrutar e colocar no frigorífico.
Enquanto o SCOBY estiver no hotel, ele está adormecido. Caso não faça kombucha durante um grande período de tempo (mais do que 3 ou 4 semanas, por exemplo), alimentar o SCOBY com chá preto com açúcar.
Lembrar: o SCOBY não pode entrar em contacto com nenhum tipo de metal ou líquido quente, ambas as coisas podem alterar o metabolismo e/ou matá-lo. Nunca usar água sem ter sido fervida primeiro, pois a água da torneira tem cloro (que mata bactérias).
Recomendo garrafas de vidro com este fecho:
Areia
De mão beijada
ou de mão calejada?
A areia não te contraria.
Se a pisas, aceita ir abaixo.
Mas é andar devagar.
Força contrária
dá força.
O asfalto é duro.
A cada passo, impacto.
Mas vais mais longe.
É o pacto da vida,
nos impele ao ato, à ida.
À flor da pele,
vem daí fruto.
Difícil para o temperamento,
tempera o sabor.
Desafio,
achar o fio à meada,
fio condutor, orienta.
Se me suster,
me sustenta.
O que aparece a meio do caminho
é substrato, o meio para crescer.
A mochila pesa,
levo mais coisas comigo.
Dificuldade-oportunidade.
Se grande,
melhor,
torna-me maior.
Dou graças,
é graças a ela.
O verso advém da adversidade.
Raízes
As nossas raízes não são o nosso passado,
nem onde nos construímos.
São de onde nos construimos.
São o nosso presente, futuro.
Transplantei-me, do vaso para a Terra.
Nelas acumulo,
Dou às reservas sem reservas.
Para ter energia, tenho que a gastar,
tenho que tê-la.
A Terra puxa-nos para baixo,
para nós nos empurrarmos para cima.
Para ir em direção à luz, tenho que ir em direção ao escuro.
A solo, ao solo.
Do solo, ao sol.
Voltas
Tenho o livro em mãos.
Seguro, insegura.
Próxima de chegar à verdade.
Quase, mas algo falta.
E, de repente,
interrompe-me a mosca.
Aterra em mim.
Tentei enxotá-la vezes sem fim.
E ela pousa.
Com a paciência que me falta,
Consegue ignorar-me
e continuar com a sua vida.
É assim que chega a verdade,
com um zumbido,
várias voltas,
e a sua falta.
Pousada nas palavras, enxotava-a.
Incomoda não termos que nos incomodar.
A pensar não surge a ideia de não o fazer.
Interrompida pela vida,
Atenta:
Tudo é e está próximo.
Tudo vai e vem o próximo.
Deitada na relva,
feliz, vejo as mãos vazias,
seguras, certas da incerteza,
e a mosca, que de vez em quando,
lá decide parar.
Fiz exatamente isso.
Aterra em mim.
A terra em mim.
Verde da verdade.
Os dias
Os fins de semana
são os dias úteis.
É quase sexta.
Que bom que o dia já acabou.
Vou morrer e digo isto.
Empregado.
Empregador.
Quem te prega.
Quem emprega a tua dor.
A decisão não passa por mim,
apenas as consequências:
Passam por cima de mim.
Faltam-me competências.
Patrão é quem tem vocação para gestão.
Não é da tua conta o que te cai na conta.
Como dávamos conta sem ordens?!
Assim evitamos desordens.
Palavra de ordem do vocabulário do proletário:
salário.
Ordenação do valor à vida.
Quanto vais receber para viver,
se tanto.
Condições que vais ter.
Quando o Eu passa a ser Euro.
Salário Mínimo que diz mesmo na cara: mínimo!
E ainda é preciso sequer uma lei para que exista.
O mimo da subida, logo sumida,
detida pela dita inflação.
Até estupefaz a diferença que faz.
"Custos de vida".
Vida que custa!
Há que salvar a economia,
Coitadinha, sempre em apuros
Apertem os cintos.
Uns de barriga cheia.
Mas vá, isto é pelos vossos futuros.
Economia.
Perfeito retrato: conceito abstrato
mais merecedor que o trabalhador.
Conceito discreto, amigo-secreto.
Economia está bem?
Para quem?
Fico sem.
Parlamento-lamento.
Como na estrada,
cede a passagem à direita,
quem tem prioridade.
Esquerda obsoleta,
que nem serve de moleta.
"Democracia"?! Bem dito?
Mito bendito
da urna soturna,
abandonada, visitada de 4 em 4 anos.
Voto num sistema devoto a soberanos.
Escolho num boletim quem não me escolhe a mim.
Enfim! Repetir e esperar outro fim?!
Escolhemos um governo,
escolhemos ser governados.
Democracia-rabisco
com asterisco no rodapé, acontece num sítio onde nem pomos o pé.
População tratada ao pontapé.
Que vida estupenda que veio com renda.
Não há emenda, eu que me renda.
Vamos para a rua.
E nem assim vamos para a rua?!
Estado conciliador:
função de manutenção.
Diplomacia mais dura que macia.
Migalhas para apaziguar batalhas.
E vê lá se trabalhas!
Toma estes restos, pára com os protestos.
Sistema de classes.
Progresso em impasses.
Estarias melhor se estudasses.
É mérito.
Distorço: faltou esforço.
Vida de herança ou cobrança.
De atalho ou trabalho.
Para alguns a sorte, para outros a morte.
Não estão a abusar do poder.
O poder é o abuso.
Casta social.
Castra.
Fome não some.
Promessa do sucesso que não avisto.
Não passa disto, desisto.
Choro, soluço.
Sem solução.
Qual é a tua sentença?
Eu tenho 8 horas para cumprir.
Presa em empresa.
Presa à despesa.
O que o dinheiro me dá?
Mentira.
Me tira.
Quem vence com o meu vencimento?
Poupo mas isso não me poupa.
Desgastada para ele gastar.
Sou mais um para ele fazer mais um.
O resultado da soma nunca é meu.
Para nós sobra a divisão, os restos, subtração. Um pano molhado espremido.
Dinheiro faz dinheiro.
Fluxo em direção a luxo.
Nós nem enchemos mealheiro.
Cartão de débito passa a crédito.
Queda do valor da moeda?!
Infelizmente, o valor dela é bem estável, incontestável.
Só se nota nas notas:
é dólar, é libra, é real.
Belisco e sinto, o pesadelo é real.
Milionário-Visionário.
Génio empreendedor.
Trabalhador com mau perdedor.
Mas vá, às vezes caímos nas boas graças,
dizem que é graças a nós.
Obrigado a quem é obrigado!
Corpo da corporação.
Dicotomia: trabalho físico ou intelectual.
Para o primeiro sofres lobotomia.
E Coitadinho de quem faz decisões, fica com a cabeça pifada.
Mais uma justificação rafada para a diferente remuneração.
A convenção de ficarmos convencidos,
O repetir da missa,
para me manter submissa.
"é normal e natural,
o que é será".
O coro da coroa.
À vontade da majestade.
Uma nação com falta de imaginação.
Não vemos alternativa ou saída.
Cinismo advindo da expectativa traída.
Hierarquia desde criança
acaba com a esperança.
Começa no ensino.
No trabalho de casa,
que aprendemos que é deixado para a mulher.
Casa - origem, a causa.
Não posta em causa.
Adormecidos e distraídos,
Tempo livre para recuperar para ir trabalhar.
Para tratar da vida que era suposto ser minha.
Tempo livre que não sei preencher, cuja palavra não consigo compreender.
Olhos e pulmões queimados.
Emojis felizes em teclados.
Os frutos do meu trabalho são-me retirados,
Mas a semente fica comigo.
A vida podia ser doutra maneira.
O pássaro está sempre a tentar lembra-nos que a nossa voz importa.
Que há quem a queira ouvir.
A organização do trabalho podia não ser este caos.
Ele podia podia ser algo que me acrescentava, pelo qual ansiava.
Consentido por nós. Com sentido para nós.
Elaborar labor a colaborar.
Uma democracia - quem escolheria não escolher ?
Não vamos a lado nenhum,
enquanto não nos vermos a todos como UM.
O pássaro, mesmo preso, não perde a capacidade de voar.
Nunca a esquece.
Trabalho pelo verdadeiro trabalho.
Para chegar o dia em que ele me chegue,
e o verdadeiro descanso me aconchegue.
Estendo o pano, deixo-o secar ao sol.
Que bom que o dia começou.
Vou viver, digo isto.
Vela
Fantasmas existem.
Os reviveres pensados.
De guarda para não os guardar.
De guarda posso descansar.
Posso olhar sem pesar.
Posso olhar e passar.
A perda fala:
é silêncio.
Falta.
Fica no lenço.
Despedir não acontece duma vez.
É um "é hora",
mas demora.
Sopro as palavras que não te disse,
e acende-se a vela.
Porta
Há imensa liberdade em abrir uma porta.
Mas também há imensa liberdade em fechar uma porta.
Fechamos a porta, não somos fechadas por ela.
Sintropia
Amo as minhas árvores.
Por isso, não as deixo estagnadas.
Se só olhadas, abandonadas.
Amar é podar,
estimular o crescimento.
Começa
O dia começa.
Mas sou eu quem abre as janelas -
Eu começo o dia.
Pálpebras
Tenho o poder,
com as minhas pálpebras,
de tornar o mundo escuro
ou cheio de luz.
Não é só com as minhas pálpebras que tenho esse poder.
Torrão
Sê como as plantas da feira,
que são postas em sacos,
com o seu pequeno torrão de terra.
Agarra o pouco que tens.
O que veio contigo.
E prepara as raízes,
para irem mais além.
Não só em busca,
mas ao encontro,
Ainda
São duas horas e ela ainda não voltou.
Não sei que deva pensar:
Ainda são duas horas...
ou
Ainda não voltou...
Se me magoa mais por ter esperança da hipótese.
Ou ainda mais por nunca dever ter tido essa esperança.
Prefiro magoar-me por acreditar nas possibilidades,
de que elas não seriam meramente possibilidades,
mas possibilidades possíveis.
As circunstâncias circunscrevem.
Conseguimos, ao mesmo tempo, querer e não querer.
Poder e não poder.
A pedra que atiramos ou que engolimos.
Somos livres de nadar.
Somos livres de afundar.
Aceitamos ou negamos?
Na verdade, aceitamos e negamos.
Escolhi isto, não aquilo.
Deixar-nos ir é deixar ir.
Se escolheste o céu,
e não a terra,
não podes aterrar.
Se escolheste a terra,
e não o céu,
não podes voar.
Entre o conhecido e o desconhecido,
Lembrar: Não podes voar com uma só asa, mas podes aterrar com um só pé.
Brinquedos
Brinquedos são... plástico.
Envolvidos em plástico.
Para não arranhar o precioso plástico.
Que depois vai para o aterro.
Ou para o oceano.
Ou, vá lá, também há reciclagem, e voltam a ser plástico.
Envolvido em plástico.
Que depois, sim, vai para o aterro.
Ou para o oceano.
Mas… tudo isto é belo!
Porque o plástico vai-se transformando
em microplásticos que depois bebemos.
Então, no fundo, os brinquedos continuam a fazer parte de nós.
Mas vá, de tudo o que nós pomos em plástico,
nem é o mais estranho.
Afinal, nós também colocamos o cocó de cão em plástico.
Mas hoje, falaremos de brinquedos.
Também não gostamos de falar do resto, não é verdade?!
Brinquedos.
Continuamos a produzi-los,
porque após gerações e gerações de crianças,
ainda há falta deles.
Porque a criança quer o carro da última geração,
os músculos, os cabelos e os outfits,
e a casa e os móveis.
É a criança que quer estas coisas.
E não pode faltar a cozinha!
Com a comida de plástico,
que não difere assim tanto da dita real.
Dizem que as crianças são quem mais tem imaginação.
Mas temos que dar todas estas coisas para conseguirem brincar, coitadas.
Brincar àquela brincadeira muito criativa:
Da pessoa ir para o emprego e fazer o almoço.
Bem, só parece mesmo divertido nessa altura porque depois...
Mas vá, os brinquedos não são só isso,
Também existem as armas de plástico!
Todas estas prendas são mesmo generosas,
paga um e leva dois,
porque todo este plástico que lhes é dado agora,
também será dado mais tarde!
Um presente para o futuro!
Mas não são só os adultos humanos que dão brinquedos de plástico às suas crianças.
Foi detectado que os cagarros,
Uma espécie de ave marinha nossa,
Ao alimentarem as suas crias,
Estão-lhes a dar plástico,
E mais de 90% das crias de cagarro têm plásticos no estômago quando saem do ninho.
E, ao contrário do que fazemos diariamente, não são capazes de o deitar fora.
Os plásticos vão-se alojando,
tal como nas nossas vidas,
e não os digerem,
ao contrário de nós, a realidade que aceitamos.
Brincar é super importante e saudável para a criança,
é por isso que ela precisa de estar dentro de casa com os seus plásticos,
a fingir ter uma vida e uma casa,
enquanto é destruída a vida e a nossa casa.
Fazemos tanto para garantir a diversão delas,
que até já os anúncios se viram para elas,
e os supermercados fazem mini carrinho de compras.
Quanto aos plásticos a que já chamamos lixo,
bem, longe da vista longe do coração não é ?
Nem tanto, porque mesmo com as nossas praias e ruas cheios deles,
assim como nos nossos próprios literais corações,
mesmo assim, ainda está tudo bem.
Mas não gostamos de falar disto.
E, quando o fazemos, também não fazemos nada sobre isso.
É como bater o ponto na entrada do trabalho,
Fica registado que somos boas pessoas,
que já soltámos uma lágrima ao ver as tartarugas presas em plástico,
que estes são assuntos sérios e importantes e têm que ser falados
e, certamente, é preciso fazer algo sobre isso!
Ah pá, é verdade, os verbos têm que ser acompanhados por um sujeito.
Sim, isto é algo muito importante e… alguém terá que fazer algo sobre isso!
Não eu, claro, nunca eu,
mas sim quem está no governo,
quem está na empresa.
E eles que, surpreendentemente, não são conceitos abstratos, e sim também pessoas,
claro, também sabem esta fala de cor.
Afinal eles não querem isto,
só fazem o que as pessoas querem.
E a responsabilidade vai sendo empurrada,
tal como os carrinhos de compras cheios de embalagens
e como os produtos nas linhas de montagem.
Mas, que fique bem claro, ninguém quer isto.
Há que atribuir culpa a uma seleção de pessoas, da qual eu não faço parte.
Ou, em alternativa, a culpa de todos,
e assim é fácil, está distribuída,
não tenho que me apoquentar.
Toda a gente quer ver isto mudado.
Mas como uma pessoa que eu gosto muito diz,
mudar as coisas, significa que as coisas vão mudar.
E se o resultado é vivermos de outra maneira,
então o meio para o atingir será exatamente esse.
Espírito
Conforme a norma, conforma.
Repreende - aprende.
Consome, deforma.
A conduta é conduzida,
passamos para o banco de trás.
Apertamos o cinto.
Ele protege.
Deixa-nos no mesmo sítio.
Pavor torna a favor.
Em modo de medo, mudo: muda.
Desde cedo, ceder, obedecer.
Depois é tarde. Nada que se salvaguarde.
Como conservar se o sal arde na ferida?
Feito um feitio.
Limitador. Alimenta a dor.
Me contém.
O que me mantém?
Escapes, por não haver escape.
___________________
Tal como nas lojas que vendem animais,
vemos o ser de dentro.
Que podia ser nós
e não o sermos….
A impotência de não poder quebrar o vidro.
O vidro que separa a vida da vida.
Mas o que foi não se foi.
Transformar é quebrar e voltar,
por vezes voltar ao que nunca foi,
mas o nunca que se lembra de nós.
Transformar é voltar aos braços do que nos pegou ao colo,
do que nos acredita tudo o que podíamos ser:
“Tens todo o tempo para…”
E que quando nos diz “repara”,
nos repara.
Nos diz gentilmente “toma atenção”
porque nos toma em atenção.
Às vezes, essa voz
é do Eu do outro lado do vidro.
É o Eu que vendemos.
É o Eu que trocámos.
É o Eu que até criámos, mas abandonámos.
É o Eu que é preso,
que é deixado a observar,
as nossas vindas,
vistas aos vidros.
Os nossos olhos a ler essa placa que tanto lemos e repetimos e repetimos e repetimos: "Não pode tocar."
Não pode tocar. Não pode tocar.
Não pode tocar. Não pode tocar.
Não pode tocar. Não pode tocar.
Os que soltamos em parques limitados lemos placas:
Não alimentar. Não alimentar. Não alimentar.
Já nem deixamos migalhas.
Já nem deixamos.
Não dividimos o pão.
Dividimo-nos.
Separamo-nos em vidros.
Em janelas de prédios.
Em ecrãs de luzes.
Vivemos no escuro.
Numa solitária cheia de estímulos.
Inventamos um Eu
para falar ao mundo.
Somos ventríloquos excelentes
dos bonecos que fazemos falar, quando adultos.
Adultos, deixaram de ser crianças,
deixaram de fazer bonecos falar.
Anseio um recreio sem receio.
Um escorrega que não me faça escorregar.
Quando era pequena não sabia dizer os Rs.
Mais tarde aprendi que não sabia dizer ou que também era tão difícil dizer…
dizer que estou eRRada,
quando é uma verdade que não quero ouvir.
E por vezes pior:
dizer que estou ceRta,
quando é uma verdade que não queria ouvir.
A verdade magoa quando a ignoramos, a verdade magoa quando a olhamos,
mas a verdade é o nosso único lugar de cura.
Tornamo-nos refugiadas da verdade, mas ela é o nosso verdadeiro refúgio.
______
A vida antes de nos deixar ir para a frente,
puxa-nos para trás.
A vida trouxe-me a si criança,
E agora traz-ma a mim.
Numa solitária inventei-me,
trouxe-me à vida.
Falei comigo para falar ao mundo.
A vida fazia-me perguntas,
eu buscava respostas nele.
Agora percebo que a vida
fazia-me perguntas,
porque não era o mundo que tinha a resposta,
mas eu.
A criança ignora o vidro.
Toca no vidro!
Quer o animal!
A criança quer dar pão, quer correr atrás do animal!
Corre, corre, corre
atrás do animal!
Sei sei sei dizer os Rs.
A criança coRRe atrás do animal!
Vida indomável.
Atrás de ir para a frente.
Atrás de ir para a frente.
Solta.
Volta para os braços do que lhe pegou ao colo.
Eles elevam-na acima.
Cara cheia de sangue,
acabada de sair ao mundo.
Na separação, união.
Porque nos esquecemos?
É transparente.
Por isso não vemos, batemos com a cara.
Finalmente vemos. Démos de cara.
Espírito.
Dizem que espírito é
o incognoscível que anima o ser vivo
ou um ser do mundo invisível.
Mas espírito, animar o ser, é a cognoscibilidade:
o invisível tornado visível.
Um tornado que toma tudo para levar ao centro.
Entender as linhas do entendimento.
Se a vida me pergunta,
é porque tenho a resposta.
Sou o que podia ser.
Criança, animal.
E a criança entra com raízes em todos os poros
da sementeira
do tanto que fazemos crescer.
A cabra de Lousã
Quero ser a cabra de Lousã, sentada em cima dos degraus, a ruminar.
Sem ter ideia de que sequer existe esse tão engraçado verbo.
Ver alguém de perto, de longe,
deixar que se aproxime, se afaste.
Aqui estarei a ruminar.
Ter o corpo mole,
molares duros.
Comer é o assunto mais sério.
Nutrir.
É preciso comer antes de falar, para não engasgar.
Quero ser a cabra de Lousã, sentada em cima dos degraus, a ruminar.
Subi estes degraus,
para ter a vista e a vista me ter a mim.
Fazer parte desta imensidão, de montes de verde.
Pertencer à escuridão da clareza.
Escurecer para ver: como nos sítios sem luzes que não a das estrelas.
A criança brinca ao quarto escuro, dedica-se a encontrar.
Abrir mão da invenção.
Abrir mão à verdadeira e única invenção,
luz que dá à luz.
Este ato é tão simples como escolher embaciar o vidro para o limpar com a manga da camisola,
e ver. Ver o vidro,
para conseguir ver além do vidro.
A cabra não fala, porque tem a boca cheia.
Contém esta imensidão.
E é nutrida até mais não.
E no meio de qualquer ruína,
a cabra rumina.
E nuns degraus, onde as humanas se entretêm,
subindo e descendo,
e atribuindo aos mesmos todos os significados,
é aí que a cabra se senta.
E é nesse ato em que assenta todo o possível significado.
A cabra rumina.
A cabra sorri: revelando a verdade presa-liberta nos dentes.
Pré-Sol
Sol que queima.
Ponho-me à sombra.
Vou atrás da minha.
Queimo a garganta.
Desvejo as nuvens.
Desejo as de fumo.
Batem, esbatem a paisagem.
Água insípida
não me tem lugar no copo.
Sair.
Aqui nunca se apaga a luz.
E depois? O depois é after.
Corro para o corredor cheio,
minha saída de emergência.
Casacos perdidos.
Em fila, um a seguir a outro.
E assim se tratam, um a seguir a outro.
Arranjados para arranjar.
Vestida para a investida,
Mais uma em vista para a lista.
Ter lábia para lhe ter os lábios.
Olheiras lisonjeiras.
Cortesia da dor.
Agregar valor-anestesia.
Atração-remuneração,
Dar-me para me dar.
Relacionamento-pagamento.
Soma que soma.
Transe transacional.
Representar-acumular,
é como papel para o papel.
Produto, novo estatuto.
Vir a tornar no que virá a entornar.
Prémio boémio.
Poster em poste, recompensa para quem a encontrar.
A postos, aposto-me,
pelo bluff,
pela mão cheia de nada.
Cheia de nada, tomo forma, como um insuflável,
saltar e nadar,
que me finge ser colete para não afundar.
Saltar: subir, cair.
Atração-distração.
Refeição rápida,
embalada e pronta a servir.
Toda a ceia que se saboreou,
e que nunca nunca saceia.
Devoram.
Casacos perdidos.
Despir e despedir,
não passa de vestir.
Decorei decorar-me.
Arte do disfarce.
Um serviço que presto,
de empresto,
não presta.
Empenho no desempenho.
Já é dose desta pose.
A postura que se vê as linhas da costura.
Não nego, o interesse é no ego.
Fiz-me a ti, para me fazer a mim.
Aparelho de polir o espelho.
Desejo, cortejo, festejo.
Boquejo…
Falta de sono,
mas tudo isto é estar adormecida,
Entorpecida, sucumbida pela bebida.
Inconsciente, nem assim suficiente.
Viro o copo e derramo-me.
Palhinhas que me sugam a mim.
Degradante e desgastante.
Consumismo consome.
Não ter discernimento do aliciamento
fingido de reconhecimento.
A forma como me via tirada da pornografia.
Uma via para me tirar o que não tinha como recuperar.
O que arranhou ficou riscado.
Olhar que é como encostar contra um muro.
Duro! Impuro!
Tensão.
A intenção por de trás da atenção.
E vai o truque da vaidade: Tenho muita maturidade para a minha idade.
Viciada: assédio-remédio.
Deduzo que te seduzo.
Não estás a ser ousada,
estás a ser usada.
Pornografia como filosofia até ser biografia.
Desejar relações de poder.
Demasiado normal para ser algo de mal.
Vulnerável é maleável.
Replico.
Suplico esquecer, por isso tenho de o reviver.
De traumático para emblemático.
Custa admitir o que aconteceu, por isso tenho de me tornar assim eu.
Para não ouvir a voz, ser o seu eco.
Repetir é uma forma de lidar: já não sou impotente.
__________
A conquista é derrota.
Recompensa que não compensa.
Pelos corredores,
presa nas passagens.
Não querer passar por algo,
não passa disto.
O dia nunca mais passa…
Resta a festa. Copo e passa.
E os dias passam…
De rastos para cobrir os rastos.
Esqueço o dia em que os dias não mais passarão.
Digo viver como se o fosse.
Entristece? Esquece.
Enerva? Erva.
Ser fixe? Haxixe.
Rumo ao rum,
Sim ao Gin.
Bocas ocas em vodkas.
O que sinto afundado em absinto.
Não te safas das garrafas.
Whisky cola que não descola.
Grades de cerveja que me são grades.
Cigarro que agarro ou que me agarra?
Charro a que me amarro.
Atadas às beatas.
O que fazer com as cinzas?
Deixam a vida que promete vir a dar frutos,
para esta que promete os frutos.
Qual é a que mente?
Para os que entram nesta vida, mente a primeira.
Para os que entraram nesta vida, mentem as duas.
O juro é prometido,
da felicidade emprestada.
Não segurar o copo é ter a mão livre.
Se eras livre, porque saías e não saías daí?!
Se eras livre, porque saías e não saías daí?!
__________
Dizem eles que a água sabe a nada,
Mas tu provaste-lhes errado quando a provaste.
A água sabe a tudo.
Pré-sol.
A noite antes de vir o dia.
A verdadeira saída.
Há uma luz que nunca se apaga.
E o casaco que ficou para trás,
vem ter comigo.
Elements
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This is superscript text and this is subscript text.
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Fringilla nisl. Donec accumsan interdum nisi, quis tincidunt felis sagittis eget tempus euismod. Vestibulum ante ipsum primis in faucibus vestibulum. Blandit adipiscing eu felis iaculis volutpat ac adipiscing accumsan faucibus. Vestibulum ante ipsum primis in faucibus lorem ipsum dolor sit amet nullam adipiscing eu felis.
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